“(500) Days of Summer” e “Deuses Falsos — Timothy Keller”: a idolatria ao amor

Hugo Nascimento
6 min readOct 23, 2023

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“O coração humano é uma fábrica de ídolos.” — João Calvino

O filme “(500) Days of Summer” parece ser apenas mais um filme “bobinho” do gênero comédia romântica e podemos nos apegar a ele desta forma. Mas, ao assistirmos a obra com um olhar mais crítico, captamos pontos fundamentais das nossas vidas que se assemelham aos dos personagens da produção. Do gênero, para mim, é uma das obras cinematográficas mais extraodinárias já produzidas.

Na trama, Tom Hansen é um romântico incorrigível, acreditando que a felicidade está atrelada ao encontro da sua “alma gêmea”, enquanto Summer Finn é uma mulher livre, que gosta de aventuras e não crê no amor eros. Quando ambos se conhecem está formada a receita perfeita para o desastre (ou não).

No tempo em que ambos estiveram juntos, Summer foi verdadeira consigo e levando aquela relação como sempre desejou: uma aventura. Enquanto isso, Tom anulava-se, tentando acreditar que os sentimentos dela por ele iriam mudar e eles viveriam o famoso “felizes para sempre”.

Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo? (Jeremias 17:9 NAA)

“Cristianizando” o filme conseguimos perceber alguns pontos teológicos na obra. Um deles é a Divina Providência. Percebemos como Summer foi importante na vida do Tom mesmo fazendo-o sofrer — e quem disse que nossas vidas devem ser feitas apenas de triunfos? No contexto da obra, muitas ocorrências na vida dele, posteriores à relação, foram por influência dos quinhentos dias em que Summer esteve presente em sua vida, direta ou indiretamente.

Ao longo do tempo, os fãs do filme compraram a ideia da Summer ser a vilã e Tom o “mocinho”. Demoraram para perceber que a situação é inversa. O vilão da história é o próprio Tom, que apegou-se a uma ilusão e se auto sabotou, colocando a sua paixão em um pedestal. Summer sempre foi verdadeira na relação, deixando explícito desde o início que não queria rotular as coisas e nem estar em um relacionamento sério (não que ela esteja isenta de alguma culpa dentro de uma ética cristã).

Reprodução/Filme Take Out

Deus viu tudo o que havia feito, e eis que era muito bom. (Gênesis 1:31a NAA)

Toda a criação de Deus é boa e mesmo após a queda (Gênesis 3) expressa bondade, pois ela não foi afetada totalmente pelo pecado. É o coração humano caído quem deturpa a maioria das coisas.

Nada tem um fim em si mesmo. Diferentemente da crença de muitos cientistas e filósofos que acreditam em uma autonomia do pensamento teórico e que a razão é independente de qualquer pressuposto, o filósofo holandês Herman Dooyerweerd, em um dos seus trabalhos, buscou afirmar (e com êxito) que toda cosmovisão é regida e regulada por alguma crença divina e nenhum pensamento e interpretação da realidade é neutra.

Quando “matamos” Deus, tirando Ele do centro das nossas vidas e afirmando que estamos aqui por acaso e sem propósito, necessitamos apontar outra coisa como theos. Estamos sempre em busca de redenção. É neste cenário que nascem os ídolos e eles não são o que são por si só. Tornam-se ídolos a partir do tratamento que damos a eles.

“O que é um ídolo? É qualquer coisa que seja mais importante que Deus para você, qualquer coisa que absorva seu coração e imaginação mais que Deus, qualquer coisa que só Deus pode dar.” (Timothy Keller, 2016, p. 15)

Ao contrário daquilo que Tom acreditava, o amor não é tudo de que precisamos. Um amor idólatra fica suscetível a aceitação de abusos. A idolatria nos tornam escravos.

Gostamos de romantizar a história de Jacó e não nos atentamos aos problemas que toda aquela situação apresenta. Ele nunca teve o amor do seu pai Isaque como gostaria; estava pretendido de morte por seu irmão Esaú por tê-lo enganado e roubado a bênção da progenitura; perdeu o amor da sua querida mãe; e provavelmente não tinha consciência do amor e cuidado de Deus. Seu vazio interior o tornou vulnerável e cego por uma paixão afobada por Raquel.

Toda negociação entre Jacó e Labão, pai de Raquel, foi muito vaga (Gênesis 29:16–20). A proposta de Jacó era trabalhar sete anos de salários para ter a mão de Raquel. Mas, ele estava tão absorto em seus desejos que não definiu corretamente as diretrizes da negociação, querendo apenas ouvir um sim e o obteve. Diante disso, Labão aproveitou da situação, seguiu com as tradições da época e após os sete anos combinados concedeu primeiramente Lia, a filha mais velha, como esposa de Jacó. Ele teve que trabalhar mais sete anos, ou seja, um total de quatorze para finalmente ter Raquel como sua esposa.

No meio “evangelical”, quando entramos no assunto sobre relacionamentos indagamos quase instantaneamente: “Jacó trabalhou quatorze anos por Raquel e você não consegue orar um ano sequer pela pessoa amada?” Ao invés disso, temos que nos perguntar: como Jacó pôde se submeter a tudo isso? A verdade é que sua condição era de um dependente. Seu vício e redenção estava no seu amor por Raquel. Na mente de Jacó ela era sua salvadora e seu maior desejo. Por isso, ele se tornou suscetível à astúcia de Labão.

“O que ocupa a nossa mente e afeição revela o nosso maior tesouro.” — Heber Campos Jr.

Ao entrarmos em um relacionamento como Jacó e Tom Hansen, colocando todas nossas forças, desejos e esperanças na pessoa que almejamos como nossa companheira, sufocamos nossas expectativas. Há uma cena no filme que elucida bem isso: Tom é convidado por Summer para uma festa em seu apartamento e ele acredita que finalmente é a oportunidade perfeita e o momento em que eles ficarão juntos. A tela se divide em duas mostrando a expectativa dele e o verdadeiro acontecimento (realidade). Tudo aquilo que Tom idealizou em sua mente não acontece e ele se vê diante de uma situação desastrosa, na qual a sua amada está noiva e irá se casar com outro. Naquele momento o mundo de Tom desmorona.

A música “Please, Please, Please Let Me Get What I Want” da banda britânica “The Smiths”, que compõe a trilha sonora do filme, resume bem a situação de Tom: “So please, please, please / Let me, let me, let me / Let me get what I want this time (Então por favor, por favor, por favor / Me deixe, Me deixe, Me deixe / Me deixe ter o que quero desta vez)”. Ele está a todo instante implorando por atenção e sentimentos ao seu deus. Desde o início os sentimentos entre Tom e Summer não são recíprocos. Já comentamos anteriormente que os ídolos nos colocam em posição de escravos.

É aquela máxima: não entramos em um relacionamento para ser feliz, mas para fazer o outro feliz. Mesmo assim, nenhum ser finito pode dar aquilo que apenas Deus pode proporcionar.

“Ao descobrir em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo poderia satisfazer, a explicação mais provável é que eu tenha sido feito para outro mundo.” (C. S. Lewis, 2017, p. 183)

A partir do momento que somos aceitos por Cristo, descobrimos o amor que Ele tem por nós e colocamos toda nossa confiança Nele, nossa busca por redenção e salvação nas coisas terrenas está cessada. Conforme Keller (2016, p. 56) afirma, “paramos de buscar nossa própria redenção através de ocupações e relacionamentos, porque já estamos redimidos. Paramos de transformar outras pessoas em nossos salvadores, porque já temos um Salvador.”

Após esta leitura, convido-o a assistir o filme e ler o livro que serviram de base desta publicação. Creio que serão edificantes. Deus abençoe!

Referências

KELLER, Timothy J. Deuses Falsos: desmarcarando as promessas vazias do sexo, do poder e do dinheiro. Tradução: Érika Koblitz Essinger. 3ª edição. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2016.

LEWIS, Clive Staples. Cristianismo Puro e Simples. Tradução: Gabriele Greggersen. 1ª edição. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017.

DIAS, Juliana Bolzan Sebe. A crítica transcendental do pensamento teórico de Herman Dooyeweerd. Tabulae - Revista de Philosophia, Curitiba, Faculdade Vicentina, v. 27, ano 13, julho-dezembro, 2019.

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Hugo Nascimento

Um reformado predestinado, tentando entender a transcendência e imanência do Pai. 30. BH/MG