Na Cidade de Deus: arte, beleza e espiritualidade

Hugo Nascimento
5 min readJul 17, 2023

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“Deus se interessa por beleza.” — Francis Schaeffer

A criatividade é algo imanente na natureza humana. Isto deve-se ao fato de sermos “imagem e semelhança de Deus” e designados ao domínio sobre toda a criação. Apesar da queda, ainda possuímos resquícios da marca criativa dada por Deus. Pessoas sem uma cosmovisão cristã conseguem criar coisas boas devido à Graça Comum que lhes foi concedida.

“E Deus disse: — Façamos o ser humano à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os animais que rastejam pela terra. Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” Gênesis 1:26–27 (NAA)

Imagem de ha11ok por Pixabay

Olhar para Cristo, o Deus encarnado, é enxergar a perfeição, beleza e amor. A beleza está fundada no amor. Ela é um reflexo dessa estima.

Em uma entrevista concedida ao programa Roda Viva da TV Cultura, quando perguntada “se você encontrasse com Deus, o que diria para Ele?”, nossa poetisa de Divinópolis/MG, Adélia Prado, afirmou que “Cristo, Deus homem, é o máximo de poesia.

“Quando encontramos com Deus não pedimos mais nada. Caímos em um estado de adoração. Encontrar com Deus é o céu. […] Quando falamos Deus também precisamos definir sobre o que estamos falando. Deus, o absolutamente o Outro, não conseguimos nem imaginar. Agora, a pessoa de Cristo sim. Cristo, Deus feito homem. O máximo de poesia. Um corpo, um homem, Deus. Imagina?! Só por isso vale a pena viver.” — Adélia Prado no Roda Viva, TV Cultura.

No campo das artes, uma produção pode ser bela e ao mesmo tempo bíblica. Não bíblica por apenas citar trechos bíblicos, mas devido à toda beleza e verdade que uma arte pode carregar e expressar, apontando para Deus, criador de todas as coisas. A Adélia Prado é alguém que faz isso muito bem em seus trabalhos. O belo está nisso.

Beleza é harmonia. É a concordância entre duas ou mais coisas entre si. E essa concordância deve estar baseada no caráter de Cristo. Se Ele é a materialização da perfeição, logo, tudo produzido com o esforço de uma cosmovisão cristã irá beirar a algo harmonioso. Talvez, a palavra perfeição ainda não se encaixe em nosso tempo. Experimentamos o Reino de Deus, mas ainda não vivemos nele plenamente. É o “Já e Ainda Não”.

A ressurreição de Cristo é a primícia/inauguração da restauração e agregação do valor de Deus em nós.

“Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, na sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda.” 1 Coríntios 15:20–23 (NAA)

E por que estou falando em ressurreição? Pois, a beleza é escatológica, promessa daquilo que está por vir. Ela é a redenção e restauração de todas as coisas. A beleza será o “fim” da história.

Segundo o filósofo russo Nicolas Berdjaev, “no Paraíso não havia nem ética, nem ciência, nem política: só estética. Deus nos criou para a Beleza. E foi por isso que nos encheu de Amor: para que não nos esquecêssemos dela”.

Depois da redenção, qual será nosso propósito na “Nova Jerusalém”?

No poema da Adélia Prado “O Poeta Ficou Cansado”, o eu lírico briga com Deus, seu interlocutor, sobre tudo que vem fazendo até o momento. O “pois” no primeiro verso indica que algo já estava acontecendo antes (“Pois, não quero mais ser Teu arauto”). O eu lírico quer deixar de ser um mero mensageiro de Deus, deixar de trabalhar com palavras e atuar com algo mais palpável. Nos versos de 18 a 20 (“me deixa trabalhar na cozinha / nem vendedor nem escrivão / me deixa fazer Teu pão”) observamos que ele deseja continuar amando, servindo e não abandonar o seu interlocutor, mas deseja isso da sua forma. Durante o poema Deus “escuta” calado todas as reverberações do eu lírico, no fim chama-o de filho e relembra-o do seu chamado e naquilo que Ele se satisfaz.

Fazendo um paralelo com o poema da Adélia, no evangelho de São João, capítulo 21, Jesus já havia sido crucificado e ressuscitado. Os discípulos não haviam entendido o motivo daqueles acontecimentos com Jesus. Eles estavam frustrados. Ainda tinham a ideia do governo terreno do Messias. Este capítulo narra o momento em que Pedro e os outros discípulos decidem voltar às suas antigas vidas. Jesus aparece na beira da praia onde alguns deles pescavam e restabelece a esperança neles. Ele rememora e restaura, principalmente, o chamado de Pedro.

No verso 18, Jesus reafirma a Pedro o que esperava dele e o que seria da sua vida a partir daquele momento. Teria uma liberdade pautada naquilo que Cristo tinha para ele. E o fim de Pedro seria semelhante ao do seu Senhor.

“Em verdade, em verdade lhe digo que, quando era mais moço, você se cingia e andava por onde queria. Mas, quando você for velho, estenderá as mãos, e outro o cingirá e o levará para onde você não quer ir.” João 21:18 (NAA)

Deus tem um propósito individual sobre cada vida. Devemos estar atentos e dispostos a enxergar. Não devemos ficar em crise por não conseguirmos atuar diretamente nos ofícios da rotina eclesiástica. Não é apenas sendo pastor, missionário, profeta, apóstolo ou mestre que glorificamos a Deus. Necessitamos acabar com essa ideia dualista sobre sagrado e secular. Precisamos se desfazer de toda doutrina gnóstica, da qual afirma que a matéria é má e o espírito é bom. Acreditamos que Deus é criador de todas as coisas, todas elas são boas e que Ele governa sobre tudo ou viveremos sempre em crise. Nosso papel é sermos cristãos em tempo integral e em todas as áreas de nossas vidas.

Devemos glorificar a Deus e expressar beleza naquilo que Ele designou para fazermos. Seja na Medicina, salvando vidas em um hospital; no Direito, dando dignidade ao nosso próximo; na Engenharia, melhorando a vida das pessoas; nas Artes, compondo uma música, pintando um quadro, esculpindo ou escrevendo poesias.

Pedro inaugurou a igreja institucional e ajudou a difundir o cristianismo pela Terra. Adélia Prado não tem sobre si nenhum rótulo eclesiástico, mas de professora, poetisa, filósofa, romancista e contista. Ambos, de uma forma ou de outra, reverberaram e reverberam o nome de Cristo na sociedade.

Nosso propósito na eternidade é sermos mais humanos. Como disse o filósofo e escritor holandês H. R. Rookmaaker:

“Cristo não morreu simplesmente para tornar cristãs mais pessoas. Isso não basta; sua obra é grandiosa demais. Ele morreu para que pudéssemos ser humanos, vivendo e agindo de modo humano, como Deus originalmente nos fez para viver, em amor e liberdade.”

Deus abençoe você.

Hugo Nascimento.

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Hugo Nascimento

Um reformado predestinado, tentando entender a transcendência e imanência do Pai. 30. BH/MG